23 novembro, 2010

NÃO PERCA A CHANCE


Às vezes alguém perde uma oportunidade e fica se lamentando pelo resto de sua vida. Mas, e quando a perda dessa chance é provocada por outrem? Será que pode se tentar remediar o prejuízo de alguma forma? Talvez muitos não saibam, mas isso, no direito, se chama responsabilidade civil. As reparações de danos mais conhecidas na responsabilidade civil são as advindas por danos materiais e morais. Dentro das possibilidades dos danos morais existe a reparação pela perda de uma chance. Mais do que uma possibilidade ou teoria, isso é prática possível também no Brasil.
A perda de uma chance é uma teoria difundida pelos tribunais franceses, por isso perte d’une chance, que aplicaram e aplicam as regras da responsabilidade civil em casos envolvendo médicos.
A decisão inaugural de tal teoria ocorreu na jurisprudência francesa na 1ª Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964. O caso descreveu a acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, considerado desnecessário o procedimento que adotara, consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto. Destarte, a corte francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado.
Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que entre o erro do médico e as graves consequências, ou seja, a invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato do médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos.
Diante de tal precedente, a doutrina estrangeira passou a reconhecer a teoria da perda de uma chance como válida e existente. Na Itália, muitos foram os estudos e avanços da doutrina que passou a reconhecer a possibilidade de se indenizar pela chance perdida, sempre que pudessem ser consideradas atuais, sérias e reais as oportunidades de obtenção de certa vantagem, que já existia no patrimônio da vítima no momento da lesão.
No Brasil, a teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil surge, atualmente, como uma nova categoria de dano indenizável. São exemplos, a decisão proferida pela 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo relator da apelação, Sérgio Jerônimo Abreu Silveira condenou uma empresa que atua na área de coleta e armazenamento de células-tronco a indenizar um casal por não ter recolhido células-tronco do cordão umbilical da sua filha, nascida de cesariana em uma maternidade do Rio de Janeiro. A condenação publicada em março de 2009, não seria diferente dos milhares de recursos proferidos pelos tribunais no país, no tocante a contratação de um serviço e seu inadimplemento, bem como os danos relativos à responsabilidade civil, se não fosse pela vertente peculiar sobre a responsabilidade civil envolvendo a teoria da perda de uma chance.
Também em 13 de março de 2006, foi publicada mais uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca desse tipo de responsabilidade civil. A 4ª Turma, sob relatoria do ministro Fernando Gonçalves, condenou uma empresa responsável pela produção de um programa televisivo de entretenimento a indenizar o autor que teve frustrada sua expectativa de ganhar um prêmio de um milhão de reais, em razão da formulação imprecisa de uma pergunta e resposta.
Considerações doutrinárias a parte, bem como a colação das jurisprudências já produzidas na justiça brasileira, não seria esta uma possibilidade para também responsabilizar e condenar o Ministério da Educação pelos possíveis danos causados aos estudantes que poderão perder futuras oportunidades devido aos prejuízos que tiveram pelos erros consecutivos nos exames do Enem? Além disso, não poderiam também os bacharéis de direito responsabilizar a OAB e o Cespe pelos prejuízos que tiveram ao não poderem ingressar nos quadros da Ordem e exercer a advocacia, sem falar dos prejuízos psicológicos, simplesmente pelo fato de várias questões serem extremamente mal elaboradas, como ocorreu no ano de 2009, ou como ocorre quase todos os anos, responsabilizar empresas aéreas e a Infraero por atrazos e cancelamentos caóticos nos aeroportos brasileiros?
Como diz o ditado popular, às vezes “chances, algumas, só se tem uma vez na vida”. Assim, mais do que agir de forma impensada e materialista, vários setores da sociedade deveriam também observar seriamente que, dano não é apenas aquilo que se perde, mas também aquilo que se deixa de ganhar. Aí fica uma fundamentação jurídica para a possibilidade de se endireitar um pouco o Brasil.