12 dezembro, 2013

HISTÓRIA DO DIREITO E RETÓRICA (2)

Continuando nosso estudo da história do estudo da Retórica no Direito trataremos agora estratégia do controle da educação a partir da reforma pombalina.

A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa como estratégia de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação.           


As academias e as associações de intelectuais e letrados de Portugal buscavam a renovação do pensamento, vez que as Universidades, nomeadamente Coimbra, se fechavam ao pensamento moderno. O diplomata José da Cunha Brochado (1651 – 1733) externou esse seu inconformismo quando disse: “Em Portugal não há ciência, nem há política, nem há economia, nem há educação, nem há nobreza e não há corte. As letras estão desterradas; nos conventos só se sabe rezar o ofício divino”. [1] O pensamento “moderno” que se buscava era, pelo menos, aquele no sentido proposto por Verney, ou seja, um pensamento que tivesse, por exemplo, o Direito desvinculado da Teologia e que este fosse baseado e consequente da ética. [2] Essa postura fazia parte do processo de secularização de autores jusracionalistas que separavam a ética da teologia e a faziam derivar da filosofia. [3] Foi nesse contexto que surgiu o marquês de Pombal, certamente voltado para novas pretensões pessoais e políticas, mas com outra estratégia. Pombal iniciou uma série de ações reformuladoras conhecidas como “despotismo esclarecido” [4] instituindo um Novo Estado. [5] Essas ações incluíram dois meses antes da expulsão dos membros da ordem jesuíta, [6] o fechamento de todos os colégios jesuítas e a introdução das “aulas régias” custeadas pela Coroa Portuguesa. Nesse mesmo ano de 1759 foi fechada a Universidade de Évora, que como visto, foi fundada e era dirigida pelos jesuítas. “A censura continuou a manter rigoroso controle sobre a publicação de livros e periódicos”. [7] O que antes estava nas mãos da Igreja e da Inquisição, passou para as mãos do Estado. “Nenhuma obra poderia ser publicada ou vendida sem passar previamente pelo crivo da Real Casa Censória, cujos membros eram indicados pelo governo”.[8]
A reforma liderada por Pombal, como visto, atingiu fortemente o Colégio das Artes e a Universidade, que afetou tanto os estudos menores como os maiores. Com base na obra do frade oratoriano Verney e seu polêmico método intitulado Verdadeiro Método de Estudar, de 1746, foi que se desenvolveram as diretrizes e os planos daquela reforma. Incluindo em seu discurso recolocar Portugal numa posição digna do mundo civilizado, Pombal introduziu novas matérias na Universidade, a matemática e a filosofia (como faculdades), a física e a química. Nos estudos menores predominou a reforma do método do ensino do latim e de uma “nova concepção” da retórica.
Sem querer extinguir o estudo da retórica, Verney buscou, antes, modificar-lhe o conteúdo, ampliando seu alcance e reforçando sua importância. A retórica jesuítica se reduzia “à inteligência dos tropos e das figuras de linguagem”, o que nos Estatutos era considerado “sua mínima parte ou a que merece bem pouca consideração”. Na verdade, os portugueses praticavam um só aspecto da retórica barroca. [9] Assim, nas cartas cinco e seis do Verdadeiro Método de Estudar [10] dedicadas à retórica, ele fez uma forte crítica ao mau gosto da oratória portuguesa, ao excesso de ornamentos estilísticos, à afetação e ao abuso de tropos de linguagem usando uma abundância de exemplos tirados de sermões, discursos e outros tipos de escrita, para demonstrar o vazio e o ridículo dos oradores e autores que na busca da simpatia do auditório, mal ultrapassavam o mau delectare da retórica barroca. Ele dá também um exemplo do mau uso do logos ao ridicularizar o excesso de citações de frases e autores, as citações fora de propósito, as repetições inúteis, a exibição fútil de erudição, os títulos estrambóticos e obscuros atribuídos a autoridades e até mesmo a imperícia na elocução. Assim, era necessário que a retórica fosse colocada, segundo seu entendimento, adequadamente de volta ao seu devido lugar. Na verdade, tropos e figuras de linguagem são os andaimes do edifício dos discursos e, sem eles, é impossível construir, mas não devem aparecer depois de pronta a obra. [11]
Assim, o problema não estava na retórica, mas na ignorância do que fosse a retórica.  Os portugueses, e toda uma tradição que já existia e se projetou na contemporaneidade, ignoravam o que ela fosse; seja por não a estudarem, seja por a estudarem em manuais limitados e considerados péssimos, como os jesuíticos. Quem não a estudava, nada dela sabia; quem a estudava, sabia menos ainda. No Alvará régio de 1759, bem como seu anexo, que seguia o mesmo espírito de Verney, não foram poucos os elogios à retórica. O parágrafo 16 do Alvará real, com o subtítulo Dos Professores da Retórica, iniciou afirmando que “o estudo da Retórica, sendo tão necessário em todas as ciências”, e, mandou que fossem providenciadas as Instruções. Nelas, a retórica passou dos tropos e figuras, para outro meio retórico, a persuasão. 

Não há estudo mais útil que o da retórica e da eloquência, muito diferente do estudo da gramática [...]. A retórica, ensina a falar bem, supondo já a ciência das palavras, dos termos e das frases; ordena os pensamentos, a sua distribuição e ornato. E, com isto, ensina todos os meios e artifícios para persuadir os ânimos e atrair as vontades. [12]  

A retórica deveria ser complementada pela poética. Porém, nem tudo o que foi determinado no Alvará da reforma pombalina veio a existir na prática. O estudo do hebraico ali também instituído parece nunca ter sido implantado. Na colônia foi pequeno o número de aulas régias criadas a expensas do Estado. A educação elementar sempre teve a iniciativa de alguns poucos indivíduos ou de religiosos. A intenção centralizadora e dominadora da Metrópole sempre teve motivações, nem sempre tão ocultas.



[1]  SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 87 apud GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60.
[2]  VERNEY, Luís António. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746, passim. Texto disponível em: .
[3]  SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p. 89.
[4]  Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.
[5]  “Este regime subordinou os organismos políticos e sociais ao poder central; enquadrou a nobreza eliminando os privilégios de nascimento; nobilitou os agentes da indústria; neutralizou os conflitos de classe; extinguiu a Confraria do Espírito Santo da Pedreira ou Mesa dos Homens de Negócio (1755), criando a Junta do Comércio (1759), e a Aula do Comércio (1759), instituiu a política dos diretórios visando a subtrair os indígenas do controle eclesial (1757), expulsou os jesuítas (1759); vinculou a Igreja ao Estado, tornando-a independente de Roma (1760); criou o Colégio dos Nobres (fundado em 1761 e aberto em 1766); aboliu a diferença entre cristãos velhos e novos (1768); criou a Real Mesa Censória (1768); secularizou a Inquisição, tornando-a um instrumento do Estado (1769); e decretou a reforma dos estudos menores (1759) e maiores (1772)”. POMBAL. Observações secretíssimas do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, na ocasião da inauguração da estátua equestre no dia 6 de junho de 1775 e entregues por ele mesmo, oito dias depois, ao senhor rei d. José, o 1°. apud SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2008, p. 81-82.
[6]  O alvará de 28 de junho de 1759 fechou os colégios jesuítas e instituiu as aulas régias; enquanto que a Lei de 3 de setembro de 1759 expulsou os religiosos da Companhia de Jesus. SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2008, p. 81-82.
[7]  GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
[8]  GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
[9]  A tríade da retórica barroca era constituída do ensinar, do deleitar e do mover (docere, delectare, movere). O barroco português enfatizava o delectare, enquanto que as orientações de Verney eram para que a ênfase residisse no movere. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132.
[10] O Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal é uma obra de autoria de Luís António Verney, cuja primeira edição veio à luz em Valença, em 1746. É a obra mais conhecida deste que é considerado o mais ativo estrangeirado português, reputada como um autêntico manifesto da modernidade do pensamento à luz das ideias iluministas. Em dois volumes, após a sua primeira edição em 1746 voltou a ser reeditada em 1747. A autoria, à época, foi atribuída a um anônimo religioso Barbadinho da Congregação de Itália, pseudônimo de Verney, que preferiu ocultar o seu nome diante da censura da época. A obra constitui-se por dezesseis cartas que o autor Barbadinho escreve a um certo doutor da Universidade de Coimbra. São elas: I - Língua Portuguesa; II - Gramática Latina; III – Latinidade; IV - Grego e Hebraico; V e VI – Retórica e Filosofia; VII – Poesia; VIII – Lógica; IX – Metafísica; X – Física; XI - Ética; XII – Medicina; XIII - Direito Civil; XIV – Teologia; XV - Direito Canónico; XVI - Regulamentação geral dos estudos. O texto completo do Método está disponível no sitio eletrônico: . TOBIAS, José Antônio. Introdução. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p. 95.
[11]  CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132-133.
[12]  Este trecho das Instruções pode ser também encontrado na citação de ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos secundários (1759-1771). v. 2. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1981, p. 92.
 

Nenhum comentário: